Informe

por Golondrina Ferreira

Será possível que precisemos escrever
Para que nossos compatriotas entendam
Que aqui não é a China
Mas pode ser pior?

Será preciso contar, ainda que pareça natural
Que se trabalha seis dias por semana
Alguns trabalham seis noites
E outros trabalham uma semana
de dia e outra de noite?

Será preciso dizer, mesmo que doa,
Que o material corta a luva e os dedos
Mas é preciso aguentar
Pois uma luva mais forte
sai muito cara pra empresa?

Precisaremos falar, ainda que incomode
Que o salários aqui são de mil reais por mês
Os aluguéis de quinhentos
E as pessoas têm de um a três filhos?

Terá que ser dito, ainda que não se entenda
Que operamos nove máquinas
Ao mesmo tempo
E uma tela de 32 polegadas pisca em vermelho
à vista de todo o prédio
Quando alguma delas não produziu o suficiente?

Teremos que repetir, ainda que dê raiva
Que nossos bebês com três meses tenham que comer comida
Porque com quatro meses
Voltaremos a trabalhar?

Haveremos de relatar, ainda que canse
Que as luzes são muito fortes para não dormirmos
Que é proibido conversar
Assim como comer, olhar o celular
Ou sair do seu posto de trabalho?

Ainda faltará dizer
Que passamos oito horas olhando pecinhas minúsculas fazendo
o mesmo movimento com as mãos
Dentro de um cubículo de lata de um metro quadrado
Para evitar distrações?

Vai ter que ser dito, ainda que nojento
Que o banheiro também é usado
Para dormir e comer
Porque não há lugar próprio para isso
E dentro da fábrica é proibido mesmo no horário de pausa?

Teremos que dizer, ainda que agonie
Que cheiramos álcool acetona
Respiramos pó de alumínio zinco estanho
às vezes ficamos tontas mas saímos dar uma volta
E retornamos ao trabalho?

Será preciso mesmo escrever, ainda que atordoe
Que o barulho é de cem decibéis
Quando o permitido é oitenta
Mas não se paga insalubridade
Pois o protetor de ouvido abafa um pouco o som

Será preciso dizer, ainda que assuste
Que quem se acidenta é culpado e demitido
Por isso escondemos os cortes
Fazemos os próprios curativos
E não contamos pra ninguém?

Mas se faz falta dizer, será dito, mesmo com fome
Que as pausas são de uma hora
A comida é ruim e cara
Não há lugar para descanso
E muitos não param nem esse tempo para conseguir bater a meta

Teremos enfim que gritar, ainda que nos dê vergonha
Que a cada falta nos descontam 20% do salário
Mesmo que seja por doença
E por isso não faltamos
Nem mesmo quando adoecemos?

Diremos, se é necessário, mesmo sendo alarmante
Que depois do trabalho transporte e do sono recomendado
sobram três horas de vida útil
De modo que às vezes não vemos os filhos
E às vezes não dormirmos.

Agora que já não se pode mais
Voltar atrás na leitura desse poema
É você quem​ nos diz
A essa altura do relato
E de posse de todas essas informações
O que é mesmo que você vai fazer?